Você sabia que a Física está por trás de operações como a Lava-Jato, Zelotes e muitas outras?
Você sabia que a Física está por trás de operações como a Lava-Jato, Zelotes e muitas outras? A explicação está nas novas práticas que a Polícia Federal vem adotando, com a aplicação de métodos científicos na investigação criminal. Pesquisas sobre uso da teoria das redes na compreensão e no combate ao crime organizado estão sendo realizadas na UFRGS. Um dos responsáveis é doutorando em Física, Bruno Requião da Cunha, que é agente de polícia federal. O objetivo da iniciativa, segundo ele, é tornar a investigação mais eficaz e, assim, contribuir para a redução dos índices de criminalidade.
O estudo mostra que nem sempre os cabeças de uma organização criminosa são os mais importantes. “Em muitas situações, os laços fracos são os responsáveis por manter grupos criminosos coesos”, diz o pesquisador. Mesmo tendo poucas conexões em uma rede, esses elos ligam grandes aglomerados de pessoas distantes entre si, servindo como uma cola social que estrutura não só redes criminais, mas todo tipo de rede social. “Podem ser doleiros, contadores e advogados. Normalmente, pessoas que lavam dinheiro para os grupos criminosos”, explica. Bruno lembra que a Operação Lava Jato iniciou com pessoas que prestavam “serviços” para várias destas organizações. “O que o estudo mostrou é que, de fato, os laços fracos são mais importantes, para manter a rede funcionando, do que as pessoas muito conectadas. Então, se mudarmos o foco da investigação criminal, em tese, teremos uma diminuição nos índices de criminalidade”, argumenta.
“Algumas operações recentes utilizaram métodos de teoria de redes, que nós estamos desenvolvendo”, relata Bruno, que, a partir dos resultados da pesquisa, iniciou um trabalho de convencimento das polícias do País inteiro, em especial da polícia federal. A aplicação na prática, segundo ele, “tem se mostrado eficiente”, pois serve para “dar um norte à investigação criminal, dar substrato científico e substrato de densidade de realidade científica para as investigações, para que elas não sejam, simplesmente, retóricas”. Na avaliação do pesquisador, os métodos e as abordagens tradicionais na segurança pública tem se mostrado ineficientes. “Hoje, temos elucidações de homicídios na ordem de 6 a 7% no Brasil. Isso é um absurdo. Enquanto isso, alguns países vizinhos apresentam índices de 60%”, compara.
Sem recursos para publicar resultados e para participar de Congressos
Em um momento de cortes de verbas nos mais diversos setores, incluindo a segurança pública, pesquisa, como a realizada no Instituto de Física da UFRGS, podem tornar mais eficiente o combate ao crime organizado. Porém, de acordo com Bruno Requião, esse tipo de estudo ainda é muito incipiente no Brasil. “Temos poucos grupos que trabalham nesse tipo de abordagem e os poucos resultados que aparecem já são impressionantes, mas é um processo de convencimento que mexe com estruturas que, há muitos anos, se mantêm no poder e na gerência de determinadas organizações”, pondera o pesquisador. Para Bruno, “a única maneira de obter ganhos em eficiência é apostar em ciência, na interação entre academia e sociedade”. Mesmo assim, muitos alunos que trabalham na pesquisa não têm bolsa de estudos e, às vezes, por falta de verba para as publicações, “não conseguimos divulgar os resultados das nossas pesquisas em grandes revistas científicas”, revela. O corte de recursos também afeta a participação em congressos, como ocorreu recentemente com dois eventos no exterior, que tinham como foco o objeto da pesquisa. Bruno teve que se contentar com uma participação remota. “É muito difícil, para qualquer integrante do nosso grupo, conseguir se inserir nesse contexto mundial de aplicação de teoria de redes, exatamente, pela falta de recursos”, lamenta.
Países desenvolvidos investem na pesquisa científica para combater o crime organizado. Foi o que aconteceu na França, em 2015, após uma série de atentados ocorridos em Paris. Em resposta, o governo francês e os órgãos de inteligência fizeram um amplo chamado para que físicos, matemáticos, entre outros profissionais, pudessem contribuir, com o seu conhecimento, para a prevenção desse tipo de ataque. “Ou seja, a ciência foi colocada a serviço da sociedade, disponibilizando recursos para a investigação acadêmica com o fim aplicado”. Orientador da linha de pesquisa de Bruno, o professor Sebastian Gonçalves, do Instituto de Física da UFRGS, diz que o exemplo da França demonstra a preocupação que os países desenvolvidos têm em aplicar os conhecimentos em teoria de redes para combater o crime organizado. “Infelizmente, aqui no Brasil, estamos na contramão do que acontece nestes países. O mundo está evoluindo de forma muito rápida nesta área e, se nós não acompanharmos, vamos acabar perdendo o bonde”, alerta o docente.
Por Araldo Neto